quarta-feira, 15 de abril de 2020

Olhos amarelos



          Eu me lembro daquele par de olhos amarelos me olhando a um palmo do meu rosto assim que abri meus olhos. Quase que instantaneamente surgiu um sorriso bobo, que deixava seus lábios mais finos e pronunciava as bochechas. E os olhos concentrados não desviavam dos meus até que eu quebrasse o silêncio. “Bom dia”. Meus dedos deslizavam e contornavam o desenho gravado no seu peito. E os minutos que voavam, duravam todo tempo do mundo dentro daquele instante. Como se não houvessem compromissos, como se tivéssemos a vida toda para estarmos ali. Você me dizia alguma coisa engraçada e me tirava uma risada desengonçada. A hora de partir era um longo abraço que dizia “até logo”. E não tardava, aquele par de olhos amarelos encontravam os meus outra vez.
          Uma voz gostosa e um violão afinado que formavam uma canção tão bonita que não se pode explicar aos normais. Na mala trazia histórias, sabe-se lá quantas realmente aconteceram, mas tantas que me fizeram sorrir...
          O tempo foi passando e a vida mudando. O cheiro do seu perfume foi saindo do lençol. Sem dor, sem mágoa e sorrateiramente, a história foi chegando ao fim, e quando viu-se, era lembrança.
          Então não mais se via aquele par de olhos amarelos pelas redondezas. Ao final, eu acabei deixando também todo o cenário da velha história. Vez ou outra me lembro daquela cor tão única dos olhos que me olhavam tão de perto. Nunca mais encontrei aquela cor nos olhos de ninguém. Nem mais a vi novamente nos seus. Pois bem, leve as cores com você que elas te pertencem. Mas o que você coloriu aqui, deixe aqui, que está bem guardado e que deixou essa vida ainda mais bonita.

          O que foi colorido aqui está feito e nunca mais se tornará preto e branco outra vez.

Fernanda Salgado

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