quarta-feira, 15 de abril de 2020

Olhos amarelos



          Eu me lembro daquele par de olhos amarelos me olhando a um palmo do meu rosto assim que abri meus olhos. Quase que instantaneamente surgiu um sorriso bobo, que deixava seus lábios mais finos e pronunciava as bochechas. E os olhos concentrados não desviavam dos meus até que eu quebrasse o silêncio. “Bom dia”. Meus dedos deslizavam e contornavam o desenho gravado no seu peito. E os minutos que voavam, duravam todo tempo do mundo dentro daquele instante. Como se não houvessem compromissos, como se tivéssemos a vida toda para estarmos ali. Você me dizia alguma coisa engraçada e me tirava uma risada desengonçada. A hora de partir era um longo abraço que dizia “até logo”. E não tardava, aquele par de olhos amarelos encontravam os meus outra vez.
          Uma voz gostosa e um violão afinado que formavam uma canção tão bonita que não se pode explicar aos normais. Na mala trazia histórias, sabe-se lá quantas realmente aconteceram, mas tantas que me fizeram sorrir...
          O tempo foi passando e a vida mudando. O cheiro do seu perfume foi saindo do lençol. Sem dor, sem mágoa e sorrateiramente, a história foi chegando ao fim, e quando viu-se, era lembrança.
          Então não mais se via aquele par de olhos amarelos pelas redondezas. Ao final, eu acabei deixando também todo o cenário da velha história. Vez ou outra me lembro daquela cor tão única dos olhos que me olhavam tão de perto. Nunca mais encontrei aquela cor nos olhos de ninguém. Nem mais a vi novamente nos seus. Pois bem, leve as cores com você que elas te pertencem. Mas o que você coloriu aqui, deixe aqui, que está bem guardado e que deixou essa vida ainda mais bonita.

          O que foi colorido aqui está feito e nunca mais se tornará preto e branco outra vez.

Fernanda Salgado

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Romanticamente incomum

          


          Deitada aqui, no meio da noite, acabei me perdendo em um mar de pensamentos sobre nós. Que curioso, depois de tanto tempo, eu pensando em nós. Não mais em você, não mais em mim. Em nós.
          Me dei conta de como a vida é irônica, pois durante muito tempo estive certa de que nunca mais cairia nesse seu olhar irritantemente cativante e nesse sorriso ridiculamente carismático. Agora olha só pra mim, deitada nessa cama, embrenhada nesses lençóis com o seu cheiro, outra vez me perdendo entre seus braços.
          Nós dois outra vez. Mas por que? Talvez porque nunca nos despedimos, de fato. Nunca houve um adeus. No lugar do ponto, ficou reticências. E a história ficou incompleta.
          Nós fomos felizes nesses anos, eu sei. Eu sobrevivi sem você e você sem mim. E o engraçado foi isso: mesmo sabendo que era possível viver sem o outro, nos buscamos de novo, escolhemos um ao outro e não foi por acaso. Foi uma escolha.
          E o povo vai comemorar com a gente a cada vez que a gente passar sorrindo de mãos dadas. E pode uns ou outros criticarem. Mas nós estamos sempre ocupados com a nossa felicidade e que sejam bem vindos aqueles que quiserem celebrar com a gente. E o que não vem pro bem a gente não dá a mínima. E ninguém vai entender como a gente faz pra ser tão feliz, mas eu também não saberia explicar.
          O que eu sei é que esses anos te fizeram muito bem. Fisicamente, pode ser. Mas principalmente, te fez uma pessoa melhor. A vida precisou te dar uma surra pra você perceber que existe uma maneira mais leve de passar pelas coisas. Agora você tem sido tudo aquilo faltou. Agora você é o que havia antes de melhor em você, somado ao homem com diversas novas qualidades.
          Olha só pra você, não passa um dia sem sorrir, sem sentir essa alegria que nos tomou desde que nos reencontramos. Aliás, desde que você buscou me reencontrar. Essa é a parte mais romântica da história. O modo como você insistiu em ter minha companhia mesmo depois de tanto tempo afastados. O modo como foi sincero. Os olhares, os carinhos, os beijos... explicitamente verdadeiros.
          Por algum tempo eu percebi o medo que você sentia de tudo se desfazer novamente, da vida dar um jeito de nos separar outra vez. Você me abraçava tão forte como se quisesse garantir que eu não iria mais ir embora. Ah... você não sabia, o que me fazia ficar cada vez mais não era a força com que me abraçava, mas a sinceridade de cada gesto de carinho. Era aquele olhar bobo cada vez que eu retornava, como se você não acreditasse que eu estava ali de novo por você.
          E quanto mais nos reencontrávamos, mais se apagava qualquer lembrança nossa que não fosse boa. Cada erro do passado era esquecido. Ali e naquele momento, éramos novas pessoas, diferentes, melhoradas e principalmente, dispostas.
          Foi a partir daí que começamos a escrever nossa história e por mais que os meses tenham passado rapidamente, ainda posso sentir que esse é o começo, que nessa história ainda tem muito o que acontecer. E há quem julgue nossa história nada comum, devem dizer que somos loucos. Mas quer saber de uma coisa? Eu nunca gostei do "Era uma vez" e nem das princesas de contos de fadas. Eu gosto mesmo do incomum, do diferente, do raro. Porque de princesas e "Era uma vez" o mundo já está cheio. Eu quero ser parceira, eu quero um "É nossa vez", porque essa é a Nossa História, essa é a nossa particularidade e é assim mesmo que nós somos felizes.

Fernanda Salgado

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Em memória


          Abri meus olhos. Olhei o relógio. Pensei: o que houve? Cadê ele? Será que aquilo tudo era verdade?
          Lágrimas rolaram do meu rosto involuntariamente ao perceber que era tudo verdade. Levantei da cama e vesti qualquer uma de minhas roupas, enquanto flashes de saudade invadiam meu pensamento.
          Como não lembrar do primeiro dia? Do primeiro olhar seu para mim? Como não lembrar do sorriso tão natural, tão sincero que se abria com tanta facilidade? E como não imaginar seus braços outra vez na minha direção me pedindo afeto? Como não me lembrar da última vez que te abracei sem saber que era a última? E como não me afogar nesse mar de lembranças?
          Agora você deixou preto e branco o mundo que você mesmo coloriu quando chegou. Agora todos os planos que eu fiz pra realizarmos juntos foram tirados de mim. E no lugar deles ficaram os espinhos que nasceram no momento em que você partiu. Mas eu não te culpo por isso, meu anjo.
          Me pego pensando em quantas mil vezes você me fez sorrir, me deu felicidade. E todos os sorrisos somados sempre vão valer muito mais do que todo o pranto que eu derramei desde que você se foi. E sempre que eu penso nisso, vejo o quanto valeu a pena cada minuto que você esteve aqui.
          Sempre que o desespero me invade, eu questiono: por quê? Mas ninguém responde. Até agora também não fui capaz de responder. Então tento me acalmar, tento pensar que foi melhor assim, para o seu próprio bem. Se o melhor pra você foi partir, então que assim seja. Daqui eu torço de todo o meu coração que você esteja feliz, tão feliz quanto você era aqui. E que o seu sorriso cative tanto e tantos quanto cativou aqui.
          Esteja onde estiver, saiba que para sempre vou te amar.
          Assim como te amei desde o primeiro dia.
          Assim como te amei até o último.
Fernanda Salgado


Em memória de Vinícius de Oliveira Claro Borges. Uma criança que mudou a minha vida.



segunda-feira, 30 de junho de 2014

Foi assim



E aí, quando você disse que à partir de agora seria assim, meu peito se encheu de alegria como há tempos não acontecia, então eu soube que meus finais de semana já não seriam os mesmos.
E eu sabia que aquele seu sorriso era puramente sincero.
Foi assim que eu percebi que eu poderia ser mais feliz se eu dividisse a mesa do café com você aos domingos. Que meus pés ficariam mais quentes entrelaçados aos seus.
Foi aí que eu percebi que faria compras pensando no que você gosta de comer. Que eu passaria dias ansiosa pelo fim da semana e que eu usaria o dobro daquele creme que você gosta.
Foi então que eu descobri que você havia mesmo entrado na minha vida.
E foi assim que eu descobri que eu quero mesmo é ficar com você.

Fernanda Salgado

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Primavera



Essa brisa que toca meu rosto, nessa primavera está bem mais agradável.
Difere daquela ventania que me cegava e me deixava sem ar.
Essa é bem mais suave, refrescante e chega a ter cheiro. O cheiro das flores que tanto me agrada e que me faz sentir vontade de permanecer bem aqui.
Pois é nesse lugar que sinto o calor que me aconchega, o calor que não sufoca, apenas acalenta.
Para onde eu olho, há beleza. Cada pedacinho dessa primavera me encanta e me deixa feliz toda vez que me deparo com algo que eu ainda não conhecia. Pois essa estação é tão surpreendente que sempre trará algo novo. E tudo é sempre tão lindo...
E sempre que ela se vai, ela volta.
Sinto falta, mas espero ansiosamente até que ela chegue novamente me abraçando com sua brisa morna.
Ah... a Primavera.
Foi quando vi pela primeira vez aquele par de olhos castanhos. E sem querer, eu os quis.
Foi quando descobri que alguém carregava a beleza da Primavera.
Desde então, sempre que chega esse alguém, ele traz consigo a Primavera, pois ele é exatamente como ela.
E desde então, há Primavera em qualquer estação do ano. Ao menos para mim.
Pois ele é minha Primavera.
Ao menos para mim.

Fernanda Salgado.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Um dia perfeito

    

       Estávamos no carro naquele dia lindo e bem quente, exatamente como gostamos. No banco de trás, nossas malas, nossos travesseiros e uma coberta que provavelmente não usaríamos. No rádio uma música que fazia lembrar de quando nos conhecemos.
    Ele dirigia com um sorriso no rosto e com uma calma de que quem não tem pressa para que o dia acabe.
Agora sim seus óculos escuros o deixava ainda mais charmoso, e o vento quente que entrava pelas janelas abertas despenteava seus cabelos divertidamente.
    Eu sabia que a viagem seria longa, mas não me preocupava, pois ainda era manhã e o sol brilhante mostrava toda a paisagem encantadora que nos cercava.
    Ele ainda me contava algumas de suas divertidas histórias e muitas vezes relembrava algumas em que eu estava presente. A partir de agora eu também  faria parte das suas histórias, e estava contente com isso. 
    Ao chegar no local planejado, me deparei com aquele mar azul claro, a areia bem alva e fina, e o sol ainda estava ali, clareando todo aquele céu azul que nos cobria.
    Nos banhamos naquelas águas cristalinas, confidenciamos segredos na sombra de uma árvore e fizemos promessas olhando o sol se pôr em um céu escarlate. Até que a noite caiu.
    Ele me conduziu até uma clareira no topo de uma montanha, onde era possível observar milhões de estrelas no céu e, por vezes, algumas estrelas cadentes. Eu deitada em seu peito, contemplava um céu jamais visto em nossa cidade, enquanto ouvia musicalmente as batidas do seu coração.
    Em um momento tão utópico, ele me deu o que faltava. Um beijo.
    Foi nessa hora que acordei.
    Olhei ao meu redor e o procurei sem resultado. Percebi as paredes de concreto e o cheiro característico de uma cidade urbana. O relógio ainda despertava e eu, um tanto confusa, o fiz parar de tocar. O seu óculos não estava no criado mudo, nem o seu chinelo na beira da cama. Só então percebi o que havia acontecido.
    Me levantei, me arrumei e fui para o trabalho arrastando os pés. 
    Foi um lindo sonho, quis contar a ele.
    Pena que ele não está mais aqui.

Fernanda Salgado

Em você, não mudo nada.

       
          Se eu fosse escolher pela aparência, ah... não seria você.
    Pois aquela camiseta velha e com um furo no ombro nunca foi a mais sensual. Até aquele seu jeans surrado que você insiste em usar mesmo estando grande demais, não é dos mais atraentes. E se eu for falar do cabelo, quase sempre bagunçado.
    Mas não, não foi isso que me atraiu.
    O que me atrai é o que está debaixo disso, debaixo também dessa armadura que você veste por insegurança. É a personalidade, é o instinto protetor, a coragem, a inocência... E debaixo desse cabelo bagunçado, a mente genial.
    Depois que vi esse interior, te vi diferente, passei a te admirar. E logo, quando percebeu tal admiração, notei que trocou a camiseta velha por outra mais nova, que passou a usar cintos, calças do seu número e cortou os cabelos.
    Achei graça.
    Pois eu confesso que passei a gostar daquela camiseta com o furinho e até senti falta de te ver arrumar o jeans caindo.
    Pode saber, meu bem, que se te escolhi é pelo que tu és e digo mais, eu não mudaria nada em ti. Nem a velha camiseta, nem o jeans surrado, nem mesmo o cabelo bagunçado, que é, na verdade, o penteado que eu mais gosto.

Fernanda Salgado

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Saudade sua



   Desde que você se foi, o tempo não quer mais passar. Parece que depois de você tudo perdeu a graça e os dias passam arrastados.
   Ah, se eu pudesse escolher... Eu acordaria às cinco da manhã outras mil vezes só para acordar do seu lado. Te observar se arrumando para a faculdade seria o meu maior hobbie.
   Se você estivesse aqui, eu usaria mais vezes o meu cabelo de lado, eu faria aquela comida que te prometi e usaria aquele perfume que você adora.
   E se eu estivesse aí, eu não ligaria de arrumar o tapete todas as vezes que você bagunçasse, eu aprenderia uma música nova só pra cantar com você e faria uma massagem pra você dormir.
   Me pego às vezes olhando nossa fotos, lembrando dos seus olhos, que eu garanto, têm uma cor maravilhosamente incomum. Sinto uma leve nostalgia quando lembro do seu cheiro, do seu olhar concentrado ao usar o computador e do seu sorriso, que tinha o poder de me deixar feliz.
   Te asseguro que não sofro, mas diariamente lembro-me daqueles dias com carinho, o mesmo carinho que sinto por ti, uma pessoa com quem eu não sei esbravejar.
   Por curiosidade, eu ainda me pergunto, por quanto tempo ainda ficou o meu cheiro naquela tua camiseta? Me pergunto, quantas vezes você encontrou um fio de cabelo meu no seu travesseiro e se lembrou de mim? O que será que você fez com as  nossas fotos? E o que será que você fez comigo, aí dentro, no mais profundo sigilo, dentro de você?
Fernanda Salgado

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Ela entendeu


          Ela se sentiu mal. Por vezes até chorou pensando que não encontraria mais a felicidade. Tudo por conta de um desamor. Um desamor de um sentimento que nem sequer foi amor. Olhava as fotos e se lembrava de algo que a fez sorrir junto a ele. Todo fim é triste, dá para entender. Mas todo fim é sim um recomeço, e toda decepção é uma lição.
          Ela entendeu o fim. Ela aceitou o fim. Ela esqueceu que era fim e passou a pensar que era recomeço.
          Ela acordou mais cedo, tirou aquele pijama velho, tomou um banho demorado, abriu as janelas da casa e deixou entrar novos ares. Ela cuidou da pele, dos cabelos e das unhas. Se sentiu importante outra vez e sentiu vontade de viver. Ouviu músicas que só faziam lembrar coisas divertidas, apagou as mensagens e as fotos do celular, e dessa vez fez sem dó.
         Ela cuidou do lado de dentro, limpou as coisas impuras do coração, jogou fora as lembranças de uma vida que não mais existia.
          Ela colocou os pés na rua se sentindo tão livre e tão leve quanto a brisa que bagunçava seus cabelos, sorriu sem ter motivo e caminhou sem um destino certo pra que seus pés decidissem o caminho.
          Ela o encontrou. Ela sorriu pra ele. Ele perdeu o ar. Ela respirou fundo e seguiu caminhando.
          Ele a observou seguir em frente. Ela não olhou para trás. 
Com um sorriso discreto no canto da boca, ela soube: havia mesmo superado.

Fernanda Salgado.




domingo, 11 de agosto de 2013

Sua solidão





Ingênuo. Você nada sabe sobre a vida ainda.
Não conhece valores que não são materiais, não sabe a diferença entre menina e mulher, não sabe o valor que tem um homem de palavra. Não sabe sequer o que te faz bem de verdade. 
Precisa olhar pra vida, aprender com erros. Precisa crescer.
Um dia vai ver quanto tempo perdeu com tal ignorância. Ainda vai descobrir que muitas das suas experiências de vida não servem para nada, a não ser pra contar vantagem.
Se não há uma multidão ao seu redor, se não tem platéia para o seu exibicionismo, se sente sozinho.
Mas você vai descobrir que solidão não é ficar sem ninguém. Solidão é ter milhares de pessoas e sentir tristeza por querer justo aquela que não se pode ter.

Fernanda Salgado.